Ao atravessar as portas do Hospital de Campanha do Autódromo, o vigilante Daniel Gonçalves, 54 anos, abraça sua esposa pela primeira vez em ...
Ao atravessar as portas do Hospital de Campanha do Autódromo, o vigilante Daniel Gonçalves, 54 anos, abraça sua esposa pela primeira vez em sete dias. A música, escolhida por ele, reflete o estado de alegria e gratidão em que o vigilante se encontra: “Te agradeço”, música da banda Diante do Trono, marca a saída de Daniel após uma semana de internação.
Em uma das mãos ele leva um certificado da vitória com os dizeres “Eu venci a Covid”. Na outra, um balão com seu nome gravado.
“Deus, através de vocês, me devolveu a vida novamente”, diz Daniel à equipe do hospital. “Sempre que eu ficar de joelhos para orar e falar com Deus eu vou rezar por vocês”.
Daniel Gonçalves recebeu alta do Hospital de Campanha do Autódromo no sábado (24/7)
Foram dias de convivência na ala dos pacientes menos graves do Hospital de Campanha do Autódromo. Em cada unidade – com salas separadas de acordo com a gravidade dos casos – há 2o leitos, contando também com a presença de equipamentos de última geração: laboratórios, respiradores, diálises, tomógrafos e aparelhos de radiografia novos estão por todo o hospital. Mesmo com tanta tecnologia e recursos, é no tratamento humanizado que se encontra o maior diferencial do centro médico.
Ala dos pacientes menos graves do Hospital de Campanha do Autódromo
Cartazes com os hobbies de cada paciente, mensagens positivas, dieta humanizada e desenhos para colorir são algumas das estratégias adotadas para facilitar contato mais íntimo entre paciente e equipe. Outro fator de destaque são as visitas no alambrado, onde as famílias podem encontrar, com distanciamento, os entes queridos que se encontram internados.
“Muita gente acha que UTI e intubação é sinônimo de fim de linha. Temos nos esforçado bastante para dar uma leveza a esse cenário catastrófico. A gente tenta minimizar, pois vivemos tempos de guerra”, diz Eliane Abreu, diretora de assistência. “Nessa nova onda vemos pessoas cada vez mais jovens. Antes eram idosos e pessoas com comorbidades. Agora, não”.
O time completo é composto por profissionais de psicologia, serviço social, enfermagem, nutrição, odontologia e terapia ocupacional.
“A equipe também se identifica com o paciente. Já é a quarta onda da Covid-19, o que torna preciso minimizar também o dano psicológico e o desgaste para os profissionais”, destaca Eliane. “O tratamento humanizado ajuda a não perder o vínculo. Isso diminui o trauma, pois a família adoece junto”.
A ideia de personalizar o atendimento partiu da terapeuta ocupacional Bruna Nascimento.
“É o mínimo que podemos fazer por eles”, enfatiza. Bruna elaborou cartazes para que aqueles impedidos de falar possam indicar com o dedo sobre como estão se sentindo e o que gostariam de fazer, por exemplo.
Tudo começou devido à insônia – com o barulho dos aparelhos nos quartos e as luzes ligadas, dormir torna-se difícil. Foi, então, que Bruna criou um “kit sono” para cada paciente, com tapa-olho personalizado.
A partir daí, vieram outras iniciativas. Os pacientes recebem as notícias impressas diariamente em folhas, desenhos para colorir e caça-palavras. As refeições muitas vezes vêm com recadinhos de melhoras escritos pelos próprios familiares.
Muitos pacientes apresentam fraqueza na musculatura após sair da intubação, o que torna tarefas aparentemente simples, como segurar um garfo ou faca, difíceis de serem executadas. Ao perceber que vários tinham vergonha de comer devido à fraqueza, Bruna elaborou um suporte personalizado em cada talher para facilitar o processo.
Do lado de fora os pacientes interagem por meio de conversas e jogos. É comum ver uma dupla ou um grupo se divertindo ao jogar dominó ou dama.
“É uma situação nova para todos”, salienta Ludmilla Ferreira, gerente multidisciplinar. “É um capítulo que estamos escrevendo na história. Cada capítulo é uma novidade. A extubação, por exemplo, é uma vitória: temos um potinho onde cada pessoa que melhorou pode colocar um pedaço cortado do tubo com o nome escrito”.
Aqueles que estão inconscientes também recebem afetividade: mesmo sedados, os pacientes têm as fotos de suas famílias pregadas na parede e um prontuário afetivo.
“É uma equipe completa com trabalho diferenciado, quase que inacreditável para uma unidade temporária. Atende todas as necessidades dos pacientes e das equipes como se fosse um hospital convencional”, pontua Eliane Abreu.
Esperança
“Tenha sempre como objetivo um foco em sua vida, pois, sem foco, não se chega a lugar algum. Deus abençoe você e sua família”. Todos os dias, o porteiro Braulio Alves, de 42 anos, entrega uma frase de esperança a seus colegas de ala internados no hospital.
“Sair daqui é uma vitória. A gente passa a dar valor para muita coisa. Quando eu sair, quero dar meu testemunho, passar a mensagem para todos que estão na situação. Sei que podemos ajudar alguém assim”, diz o porteiro, internado desde o dia 5.
Braulio tinha o costume de escrever e enviar frases a todos seus contatos de WhatsApp, antes mesmo de contrair o vírus. No hospital, começou a sentir falta da prática.
“Foi quando a Bruna teve a ideia de escrever para o pessoal daqui. Me ajudou muito. Não é fácil. Às vezes, a angústia vem, a gente fica de cabeça baixa. Mas um ambiente acolhedor como esse dá forças para lutar”, destaca Braulio.
Ele conta que contraiu Covid-19 apesar de todos os cuidados que tomava. Por isso, ele não acreditava que pudesse ser mais uma vítima.
“Muita gente acha que é brincadeira. Não brinque, porque essa doença é séria. Eu também achava que não ia pegar, e eu me cuidava e usava máscara”, alerta.
Fonte: Metrópoles